Para pesquisador, globalização foi perversa com “Betty, a Feia”

Ugly BettyNão é nenhum exagero dizer que a telenovela une a nós, latinos, ao mesmo tempo em que, curiosamente, traduz as particularidades de cada um dos povos da América. Em tempos de pulverização de audiência e da oferta avassaladora de conteúdos audiovisuais, o pesquisador espanhol Jesús Martín-Barbero, da Universidad Javeriana, de Bogotá, diz que é impossível prever o futuro do gênero que encanta multidões desde os anos 1970.

“Hoje, você tem a opção de ver três telenovelas, mas logo serão 300”, observa ele, que abriu na segunda, 23 de junho, o 4º Seminário Internacional Obitel (Observatorio Iberoamericano de la Ficción Televisiva), realizado no Rio de Janeiro em parceria entre a USP e o projeto Globo Universidade. A despeito da representação das diversidades, Martín-Barbero faz um alerta, sobre um aspecto perverso da globalização da televisão: “Em sociedades frágeis, como as latino-americanas, é importante ter algo que promova a socialização, como as telenovelas”.

Na sua palestra, o senhor chamou a novela colombiana “Betty, a Feia” de “mutante”, porque ela teria perdido a identidade quando foi adaptada em outros países. Mas não vê êxito nisso para a produção colombiana?

MARTÍN-BARBERO: “Betty, a Feia”, em termos de público ou audiência, é um êxito maravilhoso. Mas o problema é que com essa telenovela não estamos falando com latino-americanos, mas usando a genialidade de um roteirista de usar um tema-chave, como é o de Branca de Neve. Nas versões de “Betty”, o único aspecto que resta do original é o núcleo arquetípico da beleza oculta. É diferente, por exemplo, de novelas como “Roque Santeiro” e “Terra Nostra”, que apresentam uma visão brasileira sobre as diferentes situações. “Betty” é um modelo que pode ser feito pelos alemães, basta mudar as tramas. Isso não tem nada a ver com a Colômbia, nem com a América Latina. De alguma forma, essa novela é o modelo que a globalização da TV está buscando: não é remake, é transformação, que permite que Betty seja alemã, norte-americana, espanhola…

A versão americana, “Ugly Betty”, tem colorido latino caricato, como um Almodóvar colombiano, não?

MARTÍN-BARBERO: Sim, é uma representação dos latinos como um todo, não especificamente dos colombianos. É curioso: os norte-americanos fizeram, à sua maneira, uma caricatura que os permite seguir nos tratando como exóticos, não como interlocutores.

Não é, então, como se os Estados Unidos tivessem se rendido a “Betty”, mas como se tivessem deglutido a “Betty”?

MARTÍN-BARBERO: Claro, se apropriaram e construíram o estereótipo latino. Porque “Betty, a Feia” se presta a isso. É uma tradução perversa porque o original colombiano não é caricatura. A globalização da televisão não é um processo de internacionalização, de exportar conteúdo de um país a outro, não é isso. É algo mais complexo, não é a invasão de um país por produtos estrangeiros, mas uma mudança das condições em que sentimos a cultura própria.

Ugly Betty” terá o episódio final da 1ª temporada transmitido esta noite, às 20h, no Sony Entertainment Television. O season finale terá a participações de Gina Gershon (“Snoops”), Kristin Chenoweth (“Pushing Daisies“) e da atriz mexicana Angélica Vale (da novela “A Feia Mais Bela”).

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1 Response

  1. Paulo Antunes disse:

    Post brilhante Pablo. Só não entendi as circunstâncias dele. Você esteve no evento? São tuas as perguntas ou são as perguntas da platéria. Tá, acabei avacalhando com o que estava ótimo, desculpa.

    Queria que a Salma Hayek lesse isto. Ela ia subir nas tamancas. O pessoal que produz a série se orgulha muito do show.

    E, quer saber, não acho que Ugly Betty seja uma caricatura como ele diz. É uma série feita para os latinos que vivem nos EUA. E acho que o estrangeiro que vive num país que não é o seu acaba exagerando na defesa e na valorização de sua cultura como forma de se diferenciar. Fica um treco meio caricatural mesmo. Sobre o latino que vive nos EUA, isto vem lá do Ricky Ricardo. Do brasileiro, vem lá da Carmen Miranda.

    Estes dias fizeram um show lá no Sambódromo pro príncipe do Japão não é mesmo? A comunidade japonesa desfilou lutando karatê, e exibindo umas tradições que lá no Japão acho que ninguém mais dá muito valor…

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